Artigo

Amizade: Kafka e Brod

Po Paulo Rosa - Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Telemedicina PM Pelotas, Hospital Espírita
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Franz Kafka e Max Brod foram dois bons amigos por mais de duas décadas. Mais não se estenderam porque Kafka morreu quase garoto, aos 40 anos. Nem sempre coincidiam em suas perspectivas. O próprio Kafka, em carta ao amigo, referiu: "não deves dizer que me compreendes" (in La Amistad, de Maurice Blanchot, Ed. Trotta, 2009, pág. 232). Acredita Blanchot, aliás, que suas diferenças _ "Max y yo radicalmente diferentes", pág. 231 _ proporcionaram que essa amizade fosse "uma união sólida e viril".

Tal visão é certeira e serve para derrubar a falsa noção de que amigos em tudo coincidem. Por outro lado, um elemento de aproximação poderia ser o fato de que Kafka era conhecido por ter um respeito extremo pela verdade dos demais, qualidade rara, tanto antes quanto agora.

É fato muito comentado que Kafka nunca autorizou a publicação de seus escritos e que Brod, seu amigo, teve a luz de desobedece-lo, abrindo caminho a que os pósteros tivéssemos o gosto de poder percorrer estranhos caminhos kafkianos.

O livro La Amistad tem como subtítulo A desdita de emudecer, em alusão ao penoso quadro de saúde no final da vida de Kafka, quando desenvolveu tuberculose pulmonar, que o matou, e que, antes, atingiu também a laringe, o que o levou a não mais poder falar, indo aos últimos momentos apenas através da escrita e, no extremo fim, o silêncio total.

Em meio à tempestade da tuberculose, Kafka soube manter viva a amizade com Brod. Pág. 241: "É a residência em Berlim que lhe foi fatal. O duro inverno, o clima desfavorável, condições de existência precárias, a penúria desta grande cidade, faminta e perturbada pela guerra civil, representavam uma ameaça da qual não podia escapar, mas que, apesar das solicitações dos amigos, ele recusou-se a evitar; foi preciso a intervenção de seu tio, 'o médico rural' [Kafka escreveu um conto com este título], para decidir-se a mudar de residência por alguma semanas, antes que se declarasse a laringite tuberculosa… E é com uma sobriedade, uma discrição notável, a forma como faz saber [aos amigos] de seu estado de saúde, daí por diante desastroso…" E na última frase de sua última carta a Brod, depois que este veio de Praga para vê-lo ainda uma vez, ele se empenha em mostrar que tem, contudo, momentos alegres. Diz Kafka: "ao lado de todos estes motivos de queixa há também, naturalmente, algumas minúsculas alegrias… Há que reservá-las para uma visita… Adeus. Grato por tudo".

À pág. 246, Blanchot assinala que Kafka se declara incapaz de relacionamentos em sociedade, o que "contradiz o testemunho de seus amigos, que o veem amável, solto e, com frequência, caloroso...". Destes escritos se depreende que Kafka era extremamente rigoroso para consigo, com a tendência de valorizar-se a menos. De um dos escritos, Kafka remarca que "de 400 páginas, apenas 56 deveriam permanecer".

Em contraposição, dava ouvidos aos amigos, como Brod.

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